Da prisão à libertação – 27 abril de 1974
50 antifascistas são presos
Em 6 de Abril de 1974 numa reunião de antifascistas ligados à Comissão Democrática Eleitoral (CDE), na Cooperativa “Forja” perto do cemitério de Benfica em Lisboa, somos presos pelo capitão Pereira da polícia de choque e enviados para o Governo Civil, quando se falava das razões que levavam à exclusão de centenas de milhares de crianças e jovens no acesso ao ensino.
No decurso do trajeto, junto ao Jardim Zoológico perto de Sete-Rios, circula no passeio em sentido contrário o jornalista do então Diário de Lisboa o José João Louro que ao olhar para dentro das carrinhas da PSP, fica estupefato quando vê muitos dos seus companheiros e camaradas presos.
Pude observar que faz uma inversão de marcha e corre em direção a Sete-Rios. Mais tarde conta-nos ter ido fazer uns telefonemas a avisar elementos da Comissão Nacional Socorro Presos Políticos e outros amigos, e passado algumas horas procuram indagar o que se estava a passar.
No Governo Civil somos separados das mulheres, identificados e colocados em carrinhas blindadas e daí somos enviados para a cadeia do Reduto Norte do Forte de Caxias. Ao chegarmos ao átrio da cadeia, entrámos dentro de um túnel ao lado esquerdo, e colocados em amplas celas que já não eram utilizadas à vários anos.
Era um espaço sem qualquer ventilação de ar, a água escorria pelas paredes, nas tarimbas havia o colchão com um cobertor… indescritível. O Ruben de Carvalho (ex. diretor do Jornal Avante) e o Ezeqiuel Castro e Silva de Campo de Ourique, que sofriam de asma, tinham que solicitar ao fim de ½ hora ao guarda prisional para poderem respirar perto das portas das grades grandes para não sufocarem.
Assim estivemos durante alguns dias naquela situação, onde praticamente não conseguíamos dormir.
A certa altura fomos separados, e o guarda coloca-me numa cela com o Ruben de Carvalho e outros dois presos políticos. A dada altura, junto da grade diz-me o Ruben de Carvalho — Coragem! Não se fala!
Ao fim de algum tempo sou transferido para uma cela de isolamento onde sou colocado na mesma cela com o dirigente associativo da Faculdade de Economia Pedro Ferreira.
Durante a nossa prisão, podemos contactar com um pau de uma vassoura, (através de toques) no teto da prisão, para o recreio das mulheres e saber através da presa política Maria de Fátima da Fonseca Ribeiro Pereira Bastos da prisão de muitas mulheres, que se encontravam no topo norte da cadeia do Forte de Caxias.
Combinámos, enquanto eu na casa de banho contactava para o teto da prisão, o Pedro Ferreira no exterior vigiava algum sinal de proximidade do guarda prisional.
Pelo processo de comunicação conseguimos saber que do lado esquerdo se encontrava o escritor Mário Ventura Henriques e do lado direito Pedro Fernandes de Torres Vedras, pai do Eng.º Francisco Manuel Fernandes.
Com o processo de comunicação quebrava-se o isolamento do preso, sendo um incentivo na firmeza perante os interrogatórios da PIDE.
Dia 23 de abril o Pedro Ferreira é libertado.
No dia 25 abril vejo um frenesim de carros da PIDE a andarem de um lado para o outro, os guardas com semblante carregado informam-me de que não teria o recreio de ½ hora sem qualquer explicação.
Seguiu-se um período de grande tensão.
De madrugada do dia 26 de abril, acordo com o som de uma buzina de automóvel e logo de seguida oiço um grito de um preso da cela de regime normal, não percebendo o conteúdo das palavras expressas, deitei-me e não mais dormi.
Pelas 7:00 horas levanto-me, de pijama e camisola de gola alta cinzenta, sento-me no topo de uma cadeira e observo que já não era a GNR que fazia a segurança exterior à cadeia, mas sim um corpo de para-quedistas (comandados pelo Capitão Abrantes Serra).
Mais tarde surgem reforços do corpo de fuzileiros, fiquei espantado, mas o que se passa?
Entretanto, e porque estava virado para o lado de Monsanto, olhei em direção do lado esquerdo onde se situa o Estádio Nacional e começo a ver uma espécie de “Pontos Negros” que, com o andar do tempo, se tornam cada vez mais numerosos.
Por volta das 9:30h da cela da cadeia, olho para baixo e vejo uma delegação numerosa de antifascistas, acompanhados por militares e, pude ver Maria de Sophia de Melo Breyner, José Carlos de Vasconcelos, Joaquim Mestre, Jorge Fagundes, Pinto Bandeira, José João Louro, Jorge Sampaio, José Francisco, Francisco Sousa Tavares, Miguel Sousa Tavares, José Cardoso Pires, e membros da Comissão Nacional de Socorro Aos Presos políticos (CNSPP), nomeadamente Manuel João da Palma Carlos, Maria Eugénia Varela Gomes e Cecília Areosa Feio.
Por volta das 9:45 horas o Cmdt. Xavier do Corpo de Fuzileiros abre o postigo da cela e pergunta-me:
— Como se chama?
— Do que é acusado?
Disse o meu nome e, era acusado de pertencer ao PCP, abre a cela diz-me: – venha daí. Assim fomos, junto da cela n.º 13 (abre o postigo) e faz as mesmas perguntas, sem que tivéssemos obtido qualquer resposta. Abre a cela, e sai um preso alto, corpulento, com sinais de tortura e que não se identificou nem disse nada até ao momento da nossa libertação. Era então José Carlos de Almeida (nat. do Barril Concelho de Mafra), acusado de pertencer ao PCP que havia sido preso pela PIDE no Porto em 22 de abril, sendo até 25 abril sujeito à tortura do sono, e por esse fato, não se encontrar na ata de registo dos presos libertados pelo Movimento dos Capitães.
As celas vão-se abrindo, a alegria, a emoção, as lágrimas surgem, os abraços…dali somos encaminhados para escadas, descemos e vimos outros amigos e camaradas encontrando-nos no hall da cadeia. As portas abrem-se do átrio da cadeia, abraço o Álvaro Pato, o João Pedro, o Pedro Fernandes, vejo o Jaime Fernandes num abraço apertado a José João Louro, a Helena Neves… e dali apercebemo-nos por informação de que poderia estar para breve a nossa libertação.
Ou Todos Ou Nenhum!
Entretanto, por ordens do General Spínola via JSN, fomos de novo conduzidos para as celas da prisão. Ouviam-se vozes de milhares de antifascistas que no exterior da cadeia exigiam a nossa libertação imediata. A tensão aumenta, gritávamos pelas grades da prisão para que fossemos libertados, e durante a tarde as portas das celas abrem-se. Passado algum tempo de questionamento sobre o que se estava a passar, tomámos a decisão “Ou Todos, ou Nenhum”. Soubemos que os Presos em Peniche haviam tomado a mesma decisão o que nos dava força e confiança de que a nossa libertação estaria para breve.
Passadas algumas horas, os militares do MFA levam-nos para baixo e então juntamo-nos aos restantes amigos e camaradas. É indescritível os acontecimentos que se seguem com os abraços, a emoção, a alegria, mas percebo que José Carlos de Almeida mantém-se expetante com o evoluir da situação. Assim Spínola é ultrapassado pelos oficiais consequentes do MFA e por Força da Pressão Popular, por volta das 0:00 horas em Caxias começámos a ser libertados e, em Peniche às 0:01 horas do dia 27 de abril de 1974.
No exterior da cadeia do Forte de Caxias, milhares de antifascistas saúdam a nossa libertação. Corro para o meu pai (que me traz cravos vermelhos) e para a minha mãe, onde vejo a Helena Pato o José Francisco, o Orlando Pauleta e dali dirigimo-nos à baixa pombalina onde pudemos ver milhares de pessoas em uníssono a saudar o princípio de “Um Tempo Novo”, libertado da ditadura fascista e do início da conquista da Liberdade e da Democracia Participativa.
Aqui ficam estes fragmentos que traduzem um certo percurso histórico da nossa vivência democrática conquistada com o levantamento Militar do MFA e do levantamento popular.
Eugénio Ruivo 13/04/2024